sábado, 4 de outubro de 2014

QUESTÃO DE OUVIDO, 4ª cap. de As pílulas do santo Cristo

      

        
         Às dez horas, terminada a reunião na praça, Teodoro ajuntava os que tinham adquirido senha e os conduzia para frente da catedral, próximo à escadaria. Silvano era aí o mediador. Chamada por Teodoro a pessoa com o número da vez, era conduzida por Silvano até Pedro, onde ficavam a sós. Com o tempo, Silvano foi notando a ansiedade que as pessoas guardavam no meio do caminho. Havia alguns que tremiam as mãos, outros traziam o rosto em satisfação visível, embora alguns, mesmo contentes, não disfarçassem as marcas do sofrimento que lhes impregnara na face. Silvano não dizia nada aí, a não ser alguns monossílabos e preservava o clima que ia se criando naquele pequeno intervalo, como um espaço especial de preparação.
       Logo nos primeiros momentos, Pedro foi percebendo que a maioria das pessoas apenas queriam ser ouvidas. Diante disso, ele se inclinou inteiro à tarefa, ofertando lhes o que elas pediam ou aquilo de que necessitavam. Ouvia-as sempre, olhando-lhes o rosto, com paciência e simpatia, talvez com ternura. Contornava as palavras, completava-as quando o pouco conhecimento ou a emoção das pessoas as interrompia. Ele reanimava a fala, por algum fio que ficara solto entre as palavras, e reconduzia-as para algum ponto de sofrimento e de dor, que as tocasse, garantindo, assim, a fluidez da emoção. 
        Como calculava o tempo para atender os outros, pedia com jeito e leveza que o restante não fosse esquecido, mas que o guardasse com muito carinho na memória, para lhe dizer, sem falta e sem tardar, na manhã seguinte. De fato, não esqueciam o ponto onde tinham parado e os reatavam com vivacidade, interrompendo e continuando sempre, entre alegrias e lágrimas, entre choros e sorrisos francos, sem perder e sem faltar, uma manhã após a outra.
        Algo de afetuoso nascia e crescia nas relações entre eles. Todos os três agora eram singelamente saudados pelas pessoas com gestos, com palavras, com afetos e com presentes. Teodoro, que estava, por sua função, mais próximo do povo, organizando as filas e distribuindo as pílulas, além das senhas, era sempre abraçado e beijado por muitos dos que vinham até ele. Tinham-lhe um carinho especial os idosos, dando e recebendo dele palavras carinhosas e cercando-o, constantemente, de um amor filial. Alguns vinham agora com as crianças, que ele levava carinhosamente ao colo, no fim das reuniões, e com as quais era fotografado, sempre gentil e atencioso, com uma naturalidade franca e risonha.
Leia o capítulo 3ª:  
 
Primeiro capítulo:
 

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