domingo, 16 de junho de 2013

TIO GERBÚLIO E A REVOLTA DO VINAGRETE

     Gerbulinho fazia anos e o pai prometera-lhe que se rezasse direitinho, depois da missa ia à feira comer pasteis. Os dias andavam nublados, mas havia esperança naquele amoroso coração de pai adotivo de que se cumprissem as promessas de padre Gelfrido do nascimento do Sol da justiça, e que a justiça a fizesse Deus e não os homens, pensava ele.
        Depois da missa, padre Gelfrido conversava com as pessoas ao lado da entrada principal da pequena igreja. Um Cristo crucificado pelos homens estendia os braços cheios de chagas aos cristãos que entravam por aquelas velhas portas carcomidas pelo cupim. Gerbulinho puxava o pai pela mão e como este demorava-se ao pé do padre, o menino lembrou-lhe ao pé do ouvido que rezara tudo direitinho e que agora era a vez do pastel. Tio Gerbúlio não teve escolha, despediu-se do padre e de alguns amigos e rumou para feira, sempre puxado pelo pequeno.
       Jaca, caju, caja, pêssego e até feijão de corda e carne seca, de tudo vendia-se nas barracas a preços amargos e alguns mais doces. Tio Gerbúlio, parando aqui e acolá, cumprimentava os velhos conhecidos, pegava numa uva para experimentar, apertava esta ou aquela fruta, mas sempre puxado por Gerbulinho que só olhava adiante, procurando as barracas de pasteis.
       Finalmente chegaram à barraca do chinês que era a predileta, pois o pastel não era espremido e havia razoável liberdade para se colocar o vinagrete, e podia-se comê-lo gostosamente ali na rua. Um homem, muito gordo, que não deixava quase ninguém enxergar o balcão procurava pelo vinagrete. O chinês, do outro lado, falava agora com a mulher em sua língua nativa, esticando muito as palavras. Um menino que atendia achou o pote embaixo do balcão e passou para o homem. Outros fregueses agora também o pedia mas quando o homem gordo o largou, o chinês correu a escondê-lo de novo.
        -Onde está o vinagrete, gritou uma mulher?
        -Acabou, senhora!- disse o chinês.
       -Mas como, sem vinagrete não como pastel- disse Tio Gerbúlio recebendo da chinesa os dois pasteis que pedira.
       A chinesa olhou para os lados e pegou o pote de vinagrete e antes que ela o colocasse no balcão, o homem gordo puxou da mão dela.
       Neste momento apareceu um fiscal e gritou para o chinês:
       -Ô china, o vinagrete está proibido!
       -Mas porque, perguntou uma mulher?-
       - É questão de saúde pública, minha senhora.
       -Da saúde a gente trata é comendo- disseram atrás dele.
     A mulher, ignorando as ordens, pegou o pote de outro freguês que comia e foi despejando no pastel. O fiscal tentou puxar o pote, o chinês tentou tomá-lo, na confusão alguém empurrou o fiscal e a vasilha de vinagrete foi pelos ares, esparramando-se sobre as pessoas.
       O fiscal, vermelho como pimentão, limpava os olhos na blusa e disse em tom de ordem:
        -Todo mundo dessa banca me acompanha para a delegacia!
     Neste momento houve uma gritaria sem fim seguida de um corre-que-corre, parecia o início de uma revolução- coisa na vila jamais imaginada devido ao caráter ameno do povo. Tio Gerbúlio, que segurava o pastel em uma mão tinha o menino na outra. Gerbulinho, na agilidade dos que começam a vida, agachou-se, passando por baixo da barraca de abaxi e o pai, sem titubear, o seguiu, curvando as espinhas rígidas de sua virilidade cansada.
Na calçada, cortaram por trás da banca de jornal e fugiram por um estreito terreno baldio que dava para a rua do bar.
        Gerbúlio e o filho, de mãos dadas, entraram pelo quintal de casa com os pulmões pela boca e sentaram-se na varanda, mas nem tiveram tempo de descansar. De dentro, veio a mulher esbaforida e esbravejando:
     -Onde andavam vocês que não aparecem para o almoço? Entrem logo que estou terminando o vinagrete.
        Neste momento, pai e filho se levantaram correndo e sumiram-se de novo pelo meio da rua.
Jão Gerbulius Sobrinho
Elói Alves

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2 comentários:

  1. O excesso de fé fez sobrar o vinagrete!! rs
    Linda simbiose entre pai e filho! No detalhe que escapa sobre a adoção vislumbramos que o amor não brota da genética mas da alma em ebulição! Obrigada por me trazer os personagens que tanto aprecio! como sempre... enternecedor

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  2. Muitíssimo grato, Ira; beijos, amiga querida

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