domingo, 21 de outubro de 2012

AS PÍLULAS DO SANTO CRISTO (1º capítulo)

     As páginas seguintes formam o primeiro capítulo do romance de minha autoria lançado pela Linear B Editora em novembro.



As pílulas do Santo Cristo





     Elói Alves





     Linear B editora









  



© Elói Alves






1ª edição: novembro de 2012





Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP





Doutores na delegacia
     Quando ingressei na universidade, eu tinha apenas dezessete anos e estava totalmente perdido. Ainda nos primeiros dias, travei amizade com um grupo de veteranos do curso de medicina, de quem me acerquei por longo tempo. Era o meu sonho ser médico, mas como não obtive nota suficiente nos exames vestibulares, conformei-me com o curso de Direito, que, àquela época, exigia nota inferior.
     Andei muito apegado a esses meus colegas. Era de causar estranheza ao pessoal do meu curso, que, provavelmente, sentia-se preterido ou discriminado. Por longo tempo, acompanhei-os nos cafés e nas festas. Gostava também de vê-los vestidos de branco. Estavam entre esses os melhores amigos que reuni durante os anos que passei na universidade.
     Um dia, sem o mínimo aviso, alguns deles sumiram. Era comum que um ou outro desaparecesse por uns dias, ocupado em quaisquer afazeres; no entanto, desta vez, houve um grupo que resolveu ausentar-se ao mesmo tempo, sem que eu tivesse noção alguma de onde andavam.
     Alguns meses depois, numa manhã antes das aulas, sendo aquele o quarto ano de minha graduação, vieram me trazer, no saguão de entrada, os jornais do dia, com uma notícia estarrecedora.

10 . As Pílulas do Santo Cristo

     − Olha quem está preso!- disseram-me.
Eram três dos meus amigos mais próximos, todos do curso de medicina. Peguei os jornais e os li rapidamente, ali mesmo de pé.
     − Mas não será engano? − perguntei, sem convicção.
     − Que nada !− disse-me um companheiro de turma. Aí diz tudo. Estão numa geladeira! Foram presos em uma delegacia próximo da Sé. Estelionato, curandeirismo, falsificação de remédios. Enfim, pegam pelo menos uns dez anos cada um. Se já estivessem formados, teriam subterfúgio jurídico. Mas ainda precisam de uns seis meses para colar grau.
     Desisti imediatamente das aulas e me dispus a ir à delegacia. Provavelmente, nem suas famílias, que eram do interior, estivessem já informadas. Na saída, peguei ainda uma gravata com um amigo e coloquei-a no pescoço. Era preciso que me apresentasse adequadamente.
     Durante o caminho, fui montando uma defesa possível. Não me parecia haver necessidade de um pedido de habeas corpus, todavia, fui conjecturando algumas ideias básicas, assentes no Direito e que vinham à ocasião. Tinham residência fixa, sem antecedentes criminais, não eram delinquentes que apresentassem periculosidade, eram estudantes de uma universidade pública, em um curso de alta relevância social. Porém, o problema maior era se ficassem detidos. Como não tinham terminado o curso, seriam postos em uma cela comum, com dezenas de presos por metro quadrado.
     Não sei como me lembrei naquele instante de que a universidade dava um documento com status de provável bacharel ao aluno de último ano. Aferrei-me a esta nomenclatura e me preparei para enfrentar o delegado.
     Quando cheguei à delegacia, os três tinham sido levados a uma cela, onde havia também outros presos. Apresentei-me e pedi para ver meus clientes.
     − No momento será impossível, doutor!- disse-me o delegado.
     − Como, doutor? − devolvi-lhe, mas sem desafiá-lo. Meus clientes não se negam a responder à justiça nem pretendem obstar o trabalho do Ministério Público, mas devem ter o benefício que a lei lhes outorga. Ademais, são prováveis bacharéis de uma universidade pública.
     Fiz, propositadamente, mais sonoros os termos bacharéis e universidade pública, no entanto, o delegado interrompeu-me.
     − Seja como for, doutor. Veja o barulho que o caso está fazendo, os jornais da cidade e até os protestos da Igreja.
     − Não nego, doutor! − retruquei, retomando a palavra. Apenas lhe digo, com a devida vênia, que observe o fato de que meus clientes não possuem antecedentes, têm origem em famílias de cidadãos decentes e uma formação que será útil à sociedade. Além disso, todos têm residência fixa e responderão aos chamados que lhes fizer a justiça. Com a máxima licença, doutor, não havendo decisão judicial em contrário, o que se impõe no momento é impetrar a fiança e dar-lhes a saída, para que aguardem em liberdade a tramitação do inquérito, que, além do mais, meus clientes não podem permanecer em prisão comum.
      Nesse instante, o delegado recebeu a notícia de que haviam roubado um banco praticamente contiguo ao estabelecimento policial, onde havia reféns e um soldado, seu subordinado, tinha sido ferido. Em questão de segundos, ele colocou o paletó, pegou a arma e correu a uma sala adjacente. Depois voltou às pressas, chamando os policiais que o acompanhavam:
     − Rápido! Rápido! Vamos!
     Já fora, aparecendo à porta, gritou a seu auxiliar para que providenciasse a soltura dos estudantes, de acordo com a lei e pagando a fiança.
     Na rua, a confusão era grande. Por todas as partes, viam-se policiais com fuzis nas mãos e viaturas estacionadas, além de outras que chegavam com sirenes ligadas. O trânsito, totalmente parado, ia sendo desviado para ruas paralelas por policiais e por agentes da Companhia de Tráfego. Ao redor, o povo, apesar dos cordões de isolamento que bloqueavam a passagem, ia enchendo as ruas e as calçadas para conhecer o que acontecia.
     Caminhando com os três, pelas vias do centro da cidade, agora mais solto e aliviado, atendi o organismo que me lembrava de verificar as horas. Olhei no pulso esquerdo, os ponteiros abraçavam-se afetuosamente no meio do dia ao som rítmico dos eternos tic-tac. A propósito, convoquei os amigos com uma pitada de malícia:
     − O almoço fica por conta dos meus clientes!

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Ler o segundo capítulo de As pílulas do Santo Cristo no link: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-2-capitulo.html








7 comentários:

  1. Quero tudo!!!! Envolvente...quero mais!!! o único pecado é não ter conseguindo não ver neste personagem incorporado a sua doce figura amigo! rs Parabéns... rápido publique, tenho pressa!

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    1. Não sei se seu desejo de doçura aparecerá, Ira (veremos rrsrsrs), mas o advogado tem uma papel fundamental na narrativa, justamete, é quem a faz; no entanto, como você verá, e ele já disse acima, é um simples e feliz observdor dos médicos no meio dos acontecimentos, muito longe da ação dos outros.

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  2. Não aguça ainda mais minha enorme curiosidade! rs

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  3. Pelo jeito esse livro promete !! começou a me prender logo no primeiro capitulo,fiquei com sede de mais kkkkk posta logo o próximo capitulo !!!!
    Parabéns Eloi,beijos.

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    1. Muito grato, Rosi, pela leitura, ótimo que tenha gostado; bjos!

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  4. Eloi, deixei para ler com tempo.Mas a curiosidade não me permitiu. fiquei presa ao texto muito bem escrito e e peguei curiosa para ver mais.
    Parabéns!

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    1. Grato, Beth, já tem aí o segundo capítulo, onde a narrativa efetivamente inicia-se, pois que o primeiro funciona como uma epígrafe narrativa; abraço

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